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Corte de gastos, emprego e renda em 2025

  • O Estado de S. Paulo.
  • 26 Dec 2024
  • José Pastore PROFESSOR DE RELAÇÕES DO TRABALHO DA FEA-USP, PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

O ano de 2024 foi muito bom em termos de emprego e renda. O desemprego ficou ao redor dos 6%, os postos de trabalho formais aumentaram em 2 milhões e a renda real mediana subiu cerca de 5% em relação a 2023. Tivemos até falta de mão de obra (qualificada e não qualificada).

O novo ano é encarado com grande apreensão em vista da inflação e dos juros, que já subiram e ameaçam acelerar daqui para a frente. Em 2025, teremos também os primeiros impactos da redução do Benefício de Prestação Continuada (BPC), do Abono Salarial e da regra de atualização mais branda do salário mínimo.

As três medidas terão o efeito de reduzir a renda disponível das famílias que forem atingidas por essas mudanças. Mas, em 2025, o seu efeito não será dramático. Mesmo porque o restante dos vigorosos programas sociais continua intacto – o que responde pela maior parte do consumo nos Estados mais pobres.

Bem diferente será o impacto da aceleração da inflação. Esta afetará o poder de compra da grande maioria da força de trabalho. Com queda no consumo, haverá uma menor geração de empregos.

Mas, novamente, isso não deve provocar uma explosão do desemprego. No ano que chega, muitas atividades econômicas deverão permanecer

O novo ano é encarado com grande apreensão em vista da inflação e dos juros

aquecidas, como são os casos da construção de moradias propelida pelo programa Minha Casa Minha Vida e das exportações do agro e dos minérios, que geram muitos empregos indiretos no comércio e nos serviços. Neste campo, entretanto, antecipo um esfriamento do emprego e da renda nos ramos da alimentação fora de casa, dos serviços pessoais, do entretenimento e das viagens de turismo.

Ou seja, teremos um 2025 menos exuberante no consumo e na geração de empregos, mas nada dramático em termos de desemprego.

Todavia, os problemas crônicos no campo do trabalho permanecerão vivos: profusão de empregos de má qualidade, enorme informalidade, precária qualificação da maioria dos trabalhadores, produtividade anêmica, altos encargos sociais, baixos salários, elevada rotatividade e forte insegurança jurídica derivada de leis e sentenças judiciais confusas.

Esses problemas têm raízes históricas. A sua resolução depende de um aumento contínuo e diversificado dos investimentos na economia real e na modernização das instituições do trabalho. É um programa para gerações, e não apenas para este ou aquele governo. •

Educação de má qualidade inibe crescimento da produtividade do Brasil

Trabalhador brasileiro tem hoje cerca de um quarto da produtividade de um americano, segundo o Ibre/FGV

  • O Estado de S. Paulo.
  • 19 Feb 2024
  • LUIZ GUILHERME GERBELLI

Os números da produtividade do trabalhador brasileiro revelam como o cenário do País é preocupante. Quando comparado com um americano, a produtividade brasileira é praticamente a mesma da observada nos anos 1950.

Em 2022, no último dado disponível, a produtividade do brasileiro equivalia a 22,3% da registrada por um americano, de acordo com dados compilados pelo Ibre/FGV. Em 1950, essa relação era de 20,9%. No melhor momento, chegou a 36,7% em 1980.

“O nosso trabalhador médio tem cerca de um quarto de produtividade de um trabalhador americano. Esse é o problema”, afirma Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

“Ele não consegue gerar o mesmo retorno de um trabalhador de um país desenvolvido.”

Sem o aumento da produtividade, o crescimento econômico acaba ressaltando as distorções econômicas do País, como inflação.

“Para aumentar a produtividade, há necessidade de inovação tecnológica, capital humano e estoque de capital. E essas coisas não estão indo bem nos últimos anos”, diz Naercio Menezes, professor do Insper e coordenador da Cátedra Ruth Cardoso.

 

EDUCAÇÃO DE MÁ QUALIDADE.

O que ajuda a explicar essa baixa produtividade é o desempenho ruim do País nas avaliações educacionais, apesar dos avanços obtidos nos anos de escolaridade da população nas últimas décadas.

No último Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o Brasil até subiu algumas colocações, mas seguiu nas últimas posições entre 81 nações avaliadas. Em Matemática, o Brasil ocupou a 65.ª posição na edição 2022. Em Ciências, ficou na 61.ª colocação. Por fim, em leitura, o País ocupou o 52.º lugar.

“O desempenho do Pisa não mudou, principalmente, entre os alunos mais pobres”, afirma Menezes. “As escolas não estão preparando os alunos para questões mais elaboradas.”

Uma reportagem publicada recentemente pelo Estadão ajuda a dimensionar o tamanho da desigualdade na educação brasileira. Num recorte entre os alunos mais ricos que estudam em escolas particulares, a nota desse grupo de estudantes colocaria o País na quinta colocação em leitura, bem acima da classificação geral do País.

“E difícil ter crescimento de produtividade só com uma elite. O Brasil tem uma elite superbem-educada e que estuda nas melhores escolas do País. Mas isso não é suficiente para você ter um país com inovações”, afirma Menezes.

CARÊNCIA DE INVESTIMENTO.

Para tonar o cenário ainda mais desafiador, nos últimos anos o País tem sofrido para elevar os investimentos – não só em infraestrutura, mas também em inovação, tão necessária na nova economia.

Considerada um dos vetores para a expansão do PIB potencial, a taxa de investimento como proporção do PIB do Brasil tem rodado próximo de 18%, abaixo dos 20%, um patamar observado em países vizinhos, como Chile, México e Colômbia.

“Um dos motivos que fazem com que a gente cresça pouco é que investimos pouco”, afirma Silvia, do Ibre. “O País tem uma carência enorme de infraestrutura. E isso não se resolve de uma hora para outra.”

Em infraestrutura, uma série de dificuldades inibe a melhora do cenário – como juros altos, escassez de recursos, e pouca previsibilidade nas regras de contratos.

“O País avançou pouco na questão de segurança jurídica”, diz Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências. “De repente, vem uma decisão judicial do além que suspende pagamento de pedágio, por exemplo.”

MEDIDAS NECESSÁRIAS. A boa notícia, na avaliação dos economistas, é que o Brasil pode crescer mais se adotar as medidas necessárias e endereçar essas questões. A reforma tributária – discutida há décadas – deve ajudar a aliviar o cenário dos investimentos no médio e longo prazos.

“Superando essas limitações, a gente pode crescer mais”, afirma Silvia Matos. “Mas é um caminho que demanda reformas, inovação, capital humano e investimento.” •

País tem uma carência enorme na área de infraestrutura, que não se resolve rapidamente

 

As duas faces da improdutividade

Parece que ela não pode ser superada pela multiplicação de programinhas de treinamento. O mais crítico é preparar sólidas lideranças, o resto é consequência

Existe um amplo consenso acerca da necessidade de melhorar a produtividade do trabalho no Brasil. Ela cresceu a uma taxa média de 4% ao ano, de 1950 a 1980. Mas desde então tem crescido a menos de 1% ao ano, com a honrosa exceção do agronegócio.

Isso se deve, em parte, à fraqueza do sistema educacional, em que pese havermos universalizado o acesso à educação básica. Pesa também a taxa medíocre de investimento nos últimos decênios, com uma relação investimento/PIB da ordem de 17% ao ano. Compare-se com os 32% da Índia e os 44% da China. Também tem sido limitada a inovação tecnológica, a acumulação de conhecimento institucional e as melhorias nas práticas de gestão, fatores críticos para o aumento da produtividade.

Além disso, o labiríntico ambiente de negócios fomenta a informalidade e, por conseguinte, a baixa produtividade (custo Brasil). Essa perspectiva macro ilumina a dimensão do problema. Porém, esconde a essência da improdutividade. Quais os atos, gestos e decisões cujo somatório compromete a produtividade? Sem entender o seu nível molecular, é difícil lutar contra ela.

Nas análises ocupacionais, fracionam-se as ocupações em suas tarefas mais elementares, analisando a natureza de cada uma delas e as competências necessárias para a sua consecução – tais como destreza, abstração, conhecimento técnico, etc.

Com base na introspecção de um dos autores deste artigo, que é marceneiro amador, simulamos uma tal análise para a profissão de marceneiro tradicional. Na fabricação de uma cadeira, por exemplo, podemos listar todas as tarefas necessárias, bem como as suas respectivas competências. Na fase inicial, é desenho, planejamento e escolha de técnicas. Já a fase de produção exige da mão de obra, sobretudo, destreza manual e experiência de trabalho. Isso, desde que os problemas de natureza mais abstrata ou conceitual possam ser resolvidos pela chefia.

Profissionalismo e dedicação vêm sempre de cima para baixo. E, se necessário, os chefes ensinam os “gestos profissionais”. Portanto, liderança e domínio do ofício são condições sine qua non para as chefias.

Apliquemos essas ideias a duas situações reais. A primeira é a oficina mecânica da Usina Queiroz Júnior, uma siderúrgica em Minas Gerais, produzindo gusa e fundidos de ferro e aço. Nos anos 50, lá trabalhavam cerca de 120 torneiros, soldadores, ajustadores e caldeireiros. À época, não havia sequer um operário com curso profissional. Todos aprenderam na própria oficina. No entanto, essa oficina tinha padrões técnicos próximos aos europeus. Como foi isso possível? Três pessoas fizeram a mágica. Jan Hasek, engenheiro-técnico checo que, além dos conhecimentos da profissão, manejava com perfeição uma lima ou um torno. Era autoritário, mas adorado por sua equipe. O segundo era Franz Hermann, um mestre mecânico alemão, um role model para todos. O terceiro era Fritz Boetger, ex-engenheiro de um estaleiro de submarinos. Seus bons exemplos forjaram o ambiente da oficina.

O segundo caso é a negação do primeiro. Trata-se da construção da casa de um dos autores. Como ele próprio trabalhou na obra (com as madeiras), pôde observar de perto os operários. O construtor era um engenheiro honesto, mas de perfil limitado, pois não dominava os ofícios de uma obra e faltavalhe liderança. Daí as frequentes desavenças com a equipe.

Os operários não tinham a competência ou o profissionalismo requeridos. E nem motivação para aprender. Como o engenheiro aceitava trabalho malfeito, faziam qualquer coisa para ver se passava.

A obra estava sempre imunda, os materiais esparramados pelo chão. O telhado da cozinha foi refeito quatro vezes. Quase todos os canos vazaram e as goteiras foram muitas. No caso da fossa, ninguém sabia qual dos cilindros vinha primeiro – saíram trocados.

Ainda que não possamos tratar os dois casos como evidência no sentido convencional, são dois exemplos do mundo real, representando duas situações polares.

A Mecânica mostra que é possível obter alta produtividade sem programas estruturados de formação profissional. Aprende-se tudo na oficina.

A grande diferença parece estar no lado da liderança. Os mecânicos tinham com quem aprender seus ofícios e um ambiente onde adquirir os valores do profissionalismo. Todos temiam os chefes, mas aceitavam suas exigências. Cada tarefa tinha um claro padrão de qualidade. Além disso, os operários eram orientados nas decisões mais complexas.

O contraste com a obra não poderia ser maior. Os operários viam o engenheiro como um adversário, não como um guia e um líder a ser seguido. As limitações de cada um ditavam a qualidade. Não havia clima para adquirir uma profissão. E seria sem sentido oferecer cursos para esse time.

Esse raciocínio nos conduz à hipótese da enorme importância da liderança, seja técnica, seja transmitindo os valores da profissão, seja pela sua legitimidade.

Apesar da parca evidência, sugerem-se algumas ideias. Parece que a improdutividade não pode ser superada pela multiplicação de programinhas de treinamento. O mais crítico é preparar sólidas lideranças, o resto é consequência. •

RESPECTIVAMENTE, PH.D., CONSULTOR INDEPENDENTE, É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO; E PH.D., PROFESSOR ASSOCIADO DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL, FOI DIRETOR DE POLÍTICA ECONÔMICA E DÍVIDA DO BANCO MUNDIAL