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Educação de má qualidade inibe crescimento da produtividade do Brasil

Trabalhador brasileiro tem hoje cerca de um quarto da produtividade de um americano, segundo o Ibre/FGV

  • O Estado de S. Paulo.
  • 19 Feb 2024
  • LUIZ GUILHERME GERBELLI

Os números da produtividade do trabalhador brasileiro revelam como o cenário do País é preocupante. Quando comparado com um americano, a produtividade brasileira é praticamente a mesma da observada nos anos 1950.

Em 2022, no último dado disponível, a produtividade do brasileiro equivalia a 22,3% da registrada por um americano, de acordo com dados compilados pelo Ibre/FGV. Em 1950, essa relação era de 20,9%. No melhor momento, chegou a 36,7% em 1980.

“O nosso trabalhador médio tem cerca de um quarto de produtividade de um trabalhador americano. Esse é o problema”, afirma Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

“Ele não consegue gerar o mesmo retorno de um trabalhador de um país desenvolvido.”

Sem o aumento da produtividade, o crescimento econômico acaba ressaltando as distorções econômicas do País, como inflação.

“Para aumentar a produtividade, há necessidade de inovação tecnológica, capital humano e estoque de capital. E essas coisas não estão indo bem nos últimos anos”, diz Naercio Menezes, professor do Insper e coordenador da Cátedra Ruth Cardoso.

 

EDUCAÇÃO DE MÁ QUALIDADE.

O que ajuda a explicar essa baixa produtividade é o desempenho ruim do País nas avaliações educacionais, apesar dos avanços obtidos nos anos de escolaridade da população nas últimas décadas.

No último Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o Brasil até subiu algumas colocações, mas seguiu nas últimas posições entre 81 nações avaliadas. Em Matemática, o Brasil ocupou a 65.ª posição na edição 2022. Em Ciências, ficou na 61.ª colocação. Por fim, em leitura, o País ocupou o 52.º lugar.

“O desempenho do Pisa não mudou, principalmente, entre os alunos mais pobres”, afirma Menezes. “As escolas não estão preparando os alunos para questões mais elaboradas.”

Uma reportagem publicada recentemente pelo Estadão ajuda a dimensionar o tamanho da desigualdade na educação brasileira. Num recorte entre os alunos mais ricos que estudam em escolas particulares, a nota desse grupo de estudantes colocaria o País na quinta colocação em leitura, bem acima da classificação geral do País.

“E difícil ter crescimento de produtividade só com uma elite. O Brasil tem uma elite superbem-educada e que estuda nas melhores escolas do País. Mas isso não é suficiente para você ter um país com inovações”, afirma Menezes.

CARÊNCIA DE INVESTIMENTO.

Para tonar o cenário ainda mais desafiador, nos últimos anos o País tem sofrido para elevar os investimentos – não só em infraestrutura, mas também em inovação, tão necessária na nova economia.

Considerada um dos vetores para a expansão do PIB potencial, a taxa de investimento como proporção do PIB do Brasil tem rodado próximo de 18%, abaixo dos 20%, um patamar observado em países vizinhos, como Chile, México e Colômbia.

“Um dos motivos que fazem com que a gente cresça pouco é que investimos pouco”, afirma Silvia, do Ibre. “O País tem uma carência enorme de infraestrutura. E isso não se resolve de uma hora para outra.”

Em infraestrutura, uma série de dificuldades inibe a melhora do cenário – como juros altos, escassez de recursos, e pouca previsibilidade nas regras de contratos.

“O País avançou pouco na questão de segurança jurídica”, diz Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências. “De repente, vem uma decisão judicial do além que suspende pagamento de pedágio, por exemplo.”

MEDIDAS NECESSÁRIAS. A boa notícia, na avaliação dos economistas, é que o Brasil pode crescer mais se adotar as medidas necessárias e endereçar essas questões. A reforma tributária – discutida há décadas – deve ajudar a aliviar o cenário dos investimentos no médio e longo prazos.

“Superando essas limitações, a gente pode crescer mais”, afirma Silvia Matos. “Mas é um caminho que demanda reformas, inovação, capital humano e investimento.” •

País tem uma carência enorme na área de infraestrutura, que não se resolve rapidamente

 

As duas faces da improdutividade

Parece que ela não pode ser superada pela multiplicação de programinhas de treinamento. O mais crítico é preparar sólidas lideranças, o resto é consequência

Existe um amplo consenso acerca da necessidade de melhorar a produtividade do trabalho no Brasil. Ela cresceu a uma taxa média de 4% ao ano, de 1950 a 1980. Mas desde então tem crescido a menos de 1% ao ano, com a honrosa exceção do agronegócio.

Isso se deve, em parte, à fraqueza do sistema educacional, em que pese havermos universalizado o acesso à educação básica. Pesa também a taxa medíocre de investimento nos últimos decênios, com uma relação investimento/PIB da ordem de 17% ao ano. Compare-se com os 32% da Índia e os 44% da China. Também tem sido limitada a inovação tecnológica, a acumulação de conhecimento institucional e as melhorias nas práticas de gestão, fatores críticos para o aumento da produtividade.

Além disso, o labiríntico ambiente de negócios fomenta a informalidade e, por conseguinte, a baixa produtividade (custo Brasil). Essa perspectiva macro ilumina a dimensão do problema. Porém, esconde a essência da improdutividade. Quais os atos, gestos e decisões cujo somatório compromete a produtividade? Sem entender o seu nível molecular, é difícil lutar contra ela.

Nas análises ocupacionais, fracionam-se as ocupações em suas tarefas mais elementares, analisando a natureza de cada uma delas e as competências necessárias para a sua consecução – tais como destreza, abstração, conhecimento técnico, etc.

Com base na introspecção de um dos autores deste artigo, que é marceneiro amador, simulamos uma tal análise para a profissão de marceneiro tradicional. Na fabricação de uma cadeira, por exemplo, podemos listar todas as tarefas necessárias, bem como as suas respectivas competências. Na fase inicial, é desenho, planejamento e escolha de técnicas. Já a fase de produção exige da mão de obra, sobretudo, destreza manual e experiência de trabalho. Isso, desde que os problemas de natureza mais abstrata ou conceitual possam ser resolvidos pela chefia.

Profissionalismo e dedicação vêm sempre de cima para baixo. E, se necessário, os chefes ensinam os “gestos profissionais”. Portanto, liderança e domínio do ofício são condições sine qua non para as chefias.

Apliquemos essas ideias a duas situações reais. A primeira é a oficina mecânica da Usina Queiroz Júnior, uma siderúrgica em Minas Gerais, produzindo gusa e fundidos de ferro e aço. Nos anos 50, lá trabalhavam cerca de 120 torneiros, soldadores, ajustadores e caldeireiros. À época, não havia sequer um operário com curso profissional. Todos aprenderam na própria oficina. No entanto, essa oficina tinha padrões técnicos próximos aos europeus. Como foi isso possível? Três pessoas fizeram a mágica. Jan Hasek, engenheiro-técnico checo que, além dos conhecimentos da profissão, manejava com perfeição uma lima ou um torno. Era autoritário, mas adorado por sua equipe. O segundo era Franz Hermann, um mestre mecânico alemão, um role model para todos. O terceiro era Fritz Boetger, ex-engenheiro de um estaleiro de submarinos. Seus bons exemplos forjaram o ambiente da oficina.

O segundo caso é a negação do primeiro. Trata-se da construção da casa de um dos autores. Como ele próprio trabalhou na obra (com as madeiras), pôde observar de perto os operários. O construtor era um engenheiro honesto, mas de perfil limitado, pois não dominava os ofícios de uma obra e faltavalhe liderança. Daí as frequentes desavenças com a equipe.

Os operários não tinham a competência ou o profissionalismo requeridos. E nem motivação para aprender. Como o engenheiro aceitava trabalho malfeito, faziam qualquer coisa para ver se passava.

A obra estava sempre imunda, os materiais esparramados pelo chão. O telhado da cozinha foi refeito quatro vezes. Quase todos os canos vazaram e as goteiras foram muitas. No caso da fossa, ninguém sabia qual dos cilindros vinha primeiro – saíram trocados.

Ainda que não possamos tratar os dois casos como evidência no sentido convencional, são dois exemplos do mundo real, representando duas situações polares.

A Mecânica mostra que é possível obter alta produtividade sem programas estruturados de formação profissional. Aprende-se tudo na oficina.

A grande diferença parece estar no lado da liderança. Os mecânicos tinham com quem aprender seus ofícios e um ambiente onde adquirir os valores do profissionalismo. Todos temiam os chefes, mas aceitavam suas exigências. Cada tarefa tinha um claro padrão de qualidade. Além disso, os operários eram orientados nas decisões mais complexas.

O contraste com a obra não poderia ser maior. Os operários viam o engenheiro como um adversário, não como um guia e um líder a ser seguido. As limitações de cada um ditavam a qualidade. Não havia clima para adquirir uma profissão. E seria sem sentido oferecer cursos para esse time.

Esse raciocínio nos conduz à hipótese da enorme importância da liderança, seja técnica, seja transmitindo os valores da profissão, seja pela sua legitimidade.

Apesar da parca evidência, sugerem-se algumas ideias. Parece que a improdutividade não pode ser superada pela multiplicação de programinhas de treinamento. O mais crítico é preparar sólidas lideranças, o resto é consequência. •

RESPECTIVAMENTE, PH.D., CONSULTOR INDEPENDENTE, É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO; E PH.D., PROFESSOR ASSOCIADO DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL, FOI DIRETOR DE POLÍTICA ECONÔMICA E DÍVIDA DO BANCO MUNDIAL

Salários iguais, agora é lei

Como funciona a lei que iguala salário de mulheres e homens na mesma função

Estadão 11 julho 2023 - LUCIANA DYNIEWICZ, JAYANNE RODRIGUES, GIORDANNA NEVES
https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20230711/textview

 

Trabalho Proposição foi resultado de um compromisso de campanha de Lula, e retomou trecho da CLT que virou letra morta por falta de punição.

Enviado ao Congresso este ano, no Dia Internacional da Mulher (8 de março), o projeto de lei que prevê equiparação salarial entre homens e mulheres no País teve um tramitação rápida: em pouco mais de três meses foi aprovado na Câmara e no Senado e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, é a Lei 14.611/2023. Mas será suficiente para tornar as relações trabalhistas mais justas e igualitárias no Brasil?

O desafio será grande. “Das temáticas relacionadas à equidade de gênero, uma das mais complexas é a equiparação salarial”, diz a gestora executiva do Movimento Mulher 360 e CEO da Goldenberg Diversidade, Margareth Goldenberg. “As empresas sempre acham que não há desigualdade salarial, mas, quando se faz um diagnóstico, começam a perceber as diferenças.”

Pelo que apontam pesquisas internacionais sobre o tema, essas diferenças são significati-vas, ainda que venham caindo ao longo do tempo. Em fins de junho, o Fórum Econômico Mundial divulgou o Relatório Global da Diferença de Gênero 2023, uma avaliação anual sobre a paridade de remuneração entre homens e mulheres. O documento mostra o Brasil na 57.ª posição em uma comparação de 146 países. Pelo levantamento, as mulheres brasileiras ganham, em média, 17,4% menos que os homens. Na pesquisa de 2022, o Brasil estava em 94.º lugar.

Pode até parecer um grande avanço, mas, mesmo com esse salto de 37 posições no ranking, o Brasil vai mal na fotografia. Continua atrás de vizinhos do continente como Chile (27.º),Peru (34.º) e Argentina (36.º) e de economias continentais bem mais tímidas, como Equador (50.º), Suriname (52.º) e Bolívia (56.º). Na média, o bloco da América Latina precisaria, na projeção estatística do Fórum Econômico Mundial, de mais 53 anos para atingir a paridade de gênero. Isso, claro, se mantiver o grau de comprometimento. E contando também com a ausência de fatores negativos, como foi a pandemia de covid-19.

DIFICULDADES.
Na gestão individual das empresas, Margareth admite que há uma dificuldade em fazer a comparação da remuneração dos homens e das mulheres, mas que já há algumas – poucas– metodologias desenvolvidas por multinacionais para isso. Elas levam em conta critérios como cargo, tempo de empresa e resultado em avaliações. Em caso de ações trabalhistas, haverá para as empresas formas de justificar a diferença salarial, dado que será possível usar diferentes indicadores.

Na visão da advogada trabalhista Paula Boschesi Barros, do Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, diante da complexidade de aplicação da lei, é possível que, em um primeiro momento, haja um aumento da judicialização do tema. A advogada, entretanto, afirma que isso não necessariamente será ruim. “Se a empresa tiver de se defender em juízo, talvez pense antes se está sendo discriminatória. A lei pode gerar uma discussão sobre o assunto e uma conscientização forçada.”

Entre os pontos de complexidade que Paula vê na aplicação da lei está o fato de, na esferaadministrativa – a do Ministério Público do Trabalho –, não haver muito espaço para usartestemunhas como prova. Ela acredita que empresas que forem autuadas deverão levar aquestão para o Judiciário para poderem produzir provas testemunhais.

MULTAS.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, já trazia proibições a respeito da discriminação do trabalho, e uma alteração feita em 1952 foi explícita em dizer que, “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”. À época, entretanto, não havia nenhuma pena prevista. Com isso, a regra virou letra morta.

Mesmo quando foi imposta uma punição, ela era branda e raramente aplicada. Em tese, o empregador era obrigado a pagar 50% do teto do regime previdenciário, cerca de R$ 3,7mil. A novidade da lei de 2023 é a previsão de multas mais robustas no descumprimento da equiparação. Agora, esse valor será dez vezes o salário que deveria ser pago para a funcionária que, na prática, exerce a mesma função que o colega, mas recebe uma remuneração inferior.
Além disso, toda empresa com mais de cem empregados será obrigada a elaborar relatórios semestrais de transparência salarial e de critérios de remuneração. Caso seja constatada diferença salarial, a empresa terá de apresentar e pôr em prática um plano de ação para mitigar a desigualdade. Esse planejamento precisa incluir metas e prazos, e a legislação garante a presença de representantes sindicais e dos empregados na discussão.

Conforme determinado pela lei, as sociedades que falharem em cumprir as regras estão sujeitas a uma multa administrativa de até 3% da folha de salários do empregador, que deve ser limitada a cem salários mínimos – R$ 132 mil reais, atualmente. “A lei é o primeiro de inúmeros passos”, resumiu a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. “Vai doer no bolso, tem que doer no bolso. Paralelo a isso nós vamos fiscalizar”,afirmou Tebet.

BUROCRACIA
Alguns especialistas temem que os relatórios semestrais acabem se tornando apenas mais um custo de gestão

PROMESSA.
A proposição foi resultado de um compromisso assumido pelo presidente Lula durante acampanha eleitoral. A medida foi, inclusive, uma das condicionantes para que Tebet, entãopresidenciável do MDB, apoiasse o petista no segundo turno contra o ex-presidente JairBolsonaro (PL). O primeiro projeto era mais duro que a versão aprovada no Congresso.

A primeira versão, assinada por Cida Gonçalves, ministra das Mulheres, e por Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego, estabelecia uma multa de dez vezes o maior salário pago na empresa, elevado em 100% em caso de reincidência. Esse trecho recebeu críticas de diferentes deputados e segmentos e foi alterado em acordo firmado com líderes partidários da Câmara. A multa administrativa, antes de até 5% sobre a folha de pagamentos também passou por modificações e ficou definida em até 3%. A versão inicial também obrigava a apresentação de relatórios por empresas com mais de 20 empregados. A mudança para cem foi resultado de emendas apresentadas pelos parlamentares e de negociação nas Casas Legislativas.