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Relações de Confiança

Crer para ver

 Fortalecendo a confiança entre as pessoas, as novas tecnologias podem estimular o crescimento econômico.

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É fácil esquecer que até as transações comerciais mais banais dependem de pequenos gestos de confiança. As leis são um incentivo ao bom comportamento, mas o Estado não tem como obrigar todo mundo a agir corretamente o tempo todo. A confiança que os indivíduos têm uns nos outros garante o funcionamento da sociedade.
Até para pedir uma pizza por telefone é preciso acreditar que as pessoas do outro lado da linha terão o cuidado de preparar uma massa de boa qualidade, não farão mal uso dos dados do cartão de crédito do cliente e utilizarão motoboys suficientemente responsáveis para não desaparecer com a pizza no meio do caminho ou entregá-la toda revirada e desmilinguida.
Relações mais complexas, como as que viabilizam o crescimento econômico de longo prazo, exigem níveis de confiança bem mais elevados. As novas tecnologias – dos aplicativos voltados para a economia do compartilhamento ao “blockchain”– oferecem atalhos para contornar os déficits de confiança que atravancam o crescimento.
As relações de confiança são mais que mero luxo da “boa sociedade”. Como sustenta um artigo acadêmico sobre o assunto, só é possível “investir recursos em atividades cujo resultado depende de ações cooperativas” quando há confiança entre as partes. Em sociedades onde as pessoas não confiam umas nas outras, gasta-se tempo e dinheiro na tentativa de determinar quem é digno ou não de fé.
É em alguns dos países mais ricos do mundo que o nível de confiança se mostra mais elevado. Estudos sobre a relação entre confiança e crescimento econômico apontam forte associação entre os dois fatores. Ainda que um não seja necessariamente a causa do outro, as pesquisas mostram que a confiança estimula o comércio, a participação nos mercados financeiros e os investimentos, indicando seu papel positivo no fomento às atividades que tornam um país mais rico.
Infelizmente, as relações de confiança não nascem da noite para o dia. São um tipo de capital social que depende de tempo e esforço para ser cultivado. A sucessão de interações positivas e demonstrações de credibilidade cria um alicerce para o estabelecimento da confiança mútua. Em ambiente ricos em capital social, o comportamento cooperativo gera retornos elevados: a pessoa ganha mais seguindo as regras do que aproveitando a primeira oportunidade para rasgar um contrato.
Indivíduos criativos encontram maneiras de contornar os gargalos de confiança. Recorrer a grupos familiares ou étnicos – em que há maior conformidade entre os interesses individuais do que no conjunto da população – é uma estratégia comum. No entanto, por sua natureza, essas soluções têm amplitude limitada. As novas tecnologias apontam para uma saída mais promissora. O fato de que hoje as empresas possam monitorar, por meio da internet, a produção de uma unidade fabril situada a meio mundo de distância significa que elas não precisam estabelecer relações particularmente sólidas com seus fornecedores internacionais.

É em alguns dos países mais ricos do mundo que o nível de confiança se mostra mais elevado

O compartilhamento de informações entre varejistas e bancos ajuda a verificar a capacidade de pagamento dos clientes; o blockchain, que é um registro digital público e confiável de transações, elimina por completo a necessidade de supervisão por terceiros dignos de fé.
Ainda que esses avanços limpem o  terreno para a realização de novos investimentos, não é tão simples avaliar seus efeitos de longo prazo. Num mundo de “big data”, as pessoas talvez venham a confiar apenas no que puder ser eletronicamente verificado. Em seu blog globalinequality, Branko Milanovic, da Universidade de Nova York, recentemente lamentou que os aplicativos de formação de mercado tenham transformado o trabalho em simples commodity. Ao viabilizar transações efêmeras entre estranhos, esses aplicativos desobrigam as pessoas de serem gentis umas com as outras, argumenta o economista. Com isso, corre-se o risco de que os mecanismos usados para cultivar a confiança mútua fiquem atrofiados.
Seguindo na mesma direção, Tyler Cowen, da Universidade George Mason, mostra-se preocupado com a possibilidade que, com a intensificação do uso de máquinas inteligentes (como o Siri, da Apple), com as quais a interação dispensa os “bons modos”, as pessoas tenham mais dificuldade para construir relacionamentos umas com as outras. As tecnologias também podem perpetuar a discriminação: ao analisar os dados com que são alimentados, os algoritmos utilizados na concessão de crédito ou no processamento de fala humana ocasionalmente “incorporam” comportamentos racistas.
O computador diz sim. Historicamente, porém, a tecnologia tem contribuído para tornar as sociedades mais abertas que segregadas. Os aplicativos em que os usuários são publicamente avaliados, por exemplo, podem contribuir para diminuir a discriminação. O taxista que normalmente não pararia na rua para apanhar um passageiro de outra raça, talvez se sinta mais confortável transportando indivíduos que, por mais “diferentes” que pareçam, tenham notas positivas no Uber.
Segundo levantamento conduzido pelo BlaBlaCar, um aplicativo de viagens compartilhadas, 88% de seus usuários confiam muito nos demais participantes da plataforma – mais até do que confiam em seus colegas ou vizinhos.
Os aplicativos com frequência também incentivam o bom comportamento. Avaliações públicas, como as que o Uber exibe no perfil de seus motoristas, ou como as que o Yelp coleciona sobre diversos tipos de estabelecimentos comerciais, tornam cada vez mais importante a prestação de um bom serviço ao cliente. Empresas e consumidores que não agem de maneira correta correm o risco de manchar indelevelmente suas reputações.
Relações de confiança criadas por força de “pan-ópticos sociais” como esses talvez não pareçam ensejar o tipo de credibilidade que estimula o crescimento econômico. Usar o Airbnb para alugar um quarto vago a alguém de outro universo social não é o mesmo que construir os relacionamentos sólidos de que dependem os investimentos de longo prazo. Quando se trata de grandes compromissos, as pessoas não baixam a guarda de uma hora para a outra, por mais impressionantes que sejam as proezas da tecnologia. De qualquer forma, a confiança é um hábito. Ao estimular a cooperação em algumas esferas da vida, as novas tecnologias, longe de minar o capital social, contribuem para seu fortalecimento.

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Estadão de 08/09/2016

Corrupção nas empresas e novos talentos

Escândalos de corrupção afastam talentos de empresas

Entre os mais jovens, 81% deixariam de se candidatar a uma vaga em companhia envolvida em casos de corrupção.
 Os efeitos dos escândalos de corrupção e má gestão na reputação das empresas podem ir além do impacto imediato nos negócios e afastar talentos de todas as faixas de idade, de iniciantes no mercado de trabalho a executivos de alta gerência.

estadão corrupção

 Entre os mais jovens, uma pesquisa do site de recrutamento Vagas.com mostra que 81% deles deixariam de se candidatar a uma vaga se a empresa estiver envolvida em casos de corrupção, desvio de dinheiro e má gestão. E, para 89%, o sucesso de uma companhia está ligado aos valores que ela pratica. O levantamento foi realizado com 1.400 pessoas, a maioria na faixa de 26 anos, com ensino superior completo e incompleto.
O coordenador da pesquisa, Raphael Urbano, destaca que, mesmo com o desemprego na casa de dois dígitos, a preocupação persiste entre os jovens. “Os jovens hoje não têm tempo de maturar o desenvolvimento. Se é um estagiário, ele quer ser gerente em três anos e, por isso, prefere escolher uma empresa que tenha valores claros.”
Apesar desse receio, outro levantamento, elaborado pela Cia de Talentos, mostra que a Petrobrás e a Odebrecht ainda estão entre as mais admiradas por quem está começando. De acordo com Maira Habimorad, CEO da empresa, os candidatos entendem que os problemas com a Lava Jato estão restritos a um grupo de pessoas. “A impressão que eles têm é que a Petrobrás foi assaltada pelo governo e que a Odebrecht tinha que jogar o jogo.” Já nos cargos de liderança, explica Maira, a preocupação é maior, pois é mais difícil o executivo ficar isento em caso de alguma irregularidade. Clarissa Oliveria, sócia do Veirano Advogados, pondera que hoje poucas empresas têm o compliance como cultura. “O que a gente costuma ver é que elas só se estruturam depois que a polícia chega. Ela tem de provar que, apesar dos treinamentos e capacitação, um grupo de pessoas decidiu agir em benefício próprio”, explica. A sócia de Compliance do W. Faria Advogados, Alessandra Gonsales, destaca que as companhias precisam entender que o compliance serve para cuidar da reputação. “Na hora de preencher uma vaga antes ocupada por um executivo afastado por corrupção, a empresa vai ter de ser mais convincente e até oferecer salário maior.” Henrique Bessa, diretor da Michael Page, especializada em cargos de média e alta gerência, explica que a legislação brasileira dá brechas para casos de corrupção porque não pune o mau funcionário. “Buscamos o candidatos só pelas referências. Quando ligamos para uma empresa em que ele trabalhou e ela diz que não pode falar, já desconfiamos que tenha um problema.” A advogada Alessandra Gonsales defende um equilíbrio entre a proteção do funcionário e das empresas. “Quando as empresas são acusadas de lavagem de dinheiro, elas precisam adotar um procedimento de know your employees (conheça seu empregado), mas como fazer isso se a legislação não deixa?”, questiona.
Estadão 19/07/2016 – B4
 COLABOROU THAÍS BARCELLOS

O funcionário cliente

A sua empresa tem uma correta percepção do quanto se perde de dinheiro por conta da baixa produtividade de funcionários não engajados em suas funções? As cifras são altas. Estima-se que este custo chegue a US$ 550 bilhões nos Estados Unidos, considerando a perda causada por funcionários insatisfeitos ou infelizes no trabalho. E apenas 30% dos funcionários americanos estão plenamente comprometidos e, consequentemente, são mais produtivos no trabalho. Esta é apenas mais uma constatação das recentes mudanças na forma como empresas e colaboradores se relacionam e como estas afetam diretamente a economia.
Estudo recente da IBM também coloca o engajamento como preocupação comum entre executivos das empresas entrevistadas. O material aponta que a tecnologia pode ajudar a reverter este cenário de uma forma inovadora: tratando o funcionário como cliente fiel. Afinal nós – clientes – já estamos acostumados a ver empresas buscarem nossa fidelização com estratégias de personalização, conhecendo por meio de mapeamento de comportamento os nossos hábitos, gostos, desejos e estilos e com estas informações, se antecipando para oferecer seus produtos ou serviços de forma mais assertiva.
Esse posicionamento já é um novo padrão, e cada vez mais queremos o mesmo de nossos empregadores. Ou seja, o desafio para o RH será replicar, ou até criar,técnicas inovadoras de engajamento, como aquelas já em uso no mercado de consumo com seus próprios funcionários.
A tecnologia definitivamente entracomo base para potencializar este engajamento, por ter capacidade de trabalhar a enorme quantidade de dados gerados por cada funcionário, mesmo que de forma não estruturada. Acompanhar como cada indivíduo responde ao meio em que está inserido,como ele interage com os diversos programas da empresa, como ele recebe feedback ou se prepara com conceitos teóricos, o que ele pesquisa, gosta, e deseja em termos de carreira.
Aprimorar esse conhecimento dos seus funcionários dá mais informação sobre um espectro ainda pouco explorado entre empresas para tomada de decisões com informações de dados gerados pelo próprio empregado. Isso muda a forma de gestão de algo tradicionalmente baseado em intuição ou ferramentas pontuais para uma forma concreta, muito mais holística e baseada em insights.
Por exemplo, hoje, o processo de recrutamento para a maioria das empresas ainda é dependente de encontrar alguém que tenha perfil para uma determinada posição. Para isso,cada empresa estrutura sua dinâmica de seleção para chegar a alguns poucos candidatos no final deste funil.
Uma possível evolução inclui ampliar todo o mecanismo para que ele mostre o candidato por inteiro, considerando inclusive seus valores e preferências pessoais e como estes combinam com os valores e necessidades de cada empresa. Ou seja, isto exige um processo seletivo mais baseado na exploração, gerando diversos dados isolados que podem ser combinados com uso da tecnologia para traçar um perfil de funcionário que não só atende a vaga, porém tem grande chance de engajar com toda atividade da empresa logo de início.É uma chance para buscar futuros profissionais produtivos no momento zero.
Importante reforçar que não existe apenas uma ou outra iniciativa que irá resultar em maior engajamento da força de trabalho. Da mesma forma que não será apenas uma ou outra ação que garantirá a compra e fidelização de um cliente. O engajamento depende de um conjunto de ações estruturadas que possibilitem mais dados convertidos em informações e insights para maior entendimento sobre os colaboradores.
Conhecendo melhor seus funcionários, as empresas têm mais chances de ter as pessoas certas nas funções corretas e assim ajudá-los a traçar planos de carreira, motivá-los e, principalmente, engajá-los de forma natural. A relação entre uma empresa e um colaborador torna-se algo menos baseado em combinação de necessidades e características e muito mais uma troca na qual ambos são beneficiados.
A tecnologia já amadureceu suficientemente para lidar com essa massa de dados e transformá-los em informações inteligentes e, assim, posicionar a área de recursos humanos como facilitadora de funcionários satisfeitos e engajados, como clientes leais e felizes.

Juliano Araujo – gerente de marketing de software para portfólio de commerce & social business da Ibm Brasil

jmaraujo@br.ibm.com

Estadão 24/04/2016 pg. 4