Terceirização e Desinformação
José Pastore *
Estadão – 30/03/2017
Tenho visto nas redes sociais artistas e outros formadores de opinião dizendo que a nova lei da terceirização vai eliminar o 13.º salário, as férias, o seguro-desemprego, as verbas rescisórias, a licença à gestante e vários outros direitos assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Isso é mentira. Os que leram o texto sabem que, além de manter todos os direitos atuais, a nova lei estende aos trabalhadores terceirizados proteções importantes tais como a obrigatoriedade de a empresa contratante assegurar as condições de segurança, higiene e salubridade dos empregados da contratada e prover a eles os serviços de atendimento médico, ambulatorial e de refeição existentes nas suas dependências.
Vi, também, nas redes sociais que a nova lei deixa de proteger os trabalhadores pelo fato de a empresa contratante ser responsável subsidiariamente pelos direitos trabalhistas e previdenciários dos empregados da empresa contratada. Foi importante manter essa regra (que está na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho), pois a responsabilidade subsidiária tem grande alcance social: ela garante uma dupla proteção aos trabalhadores ao tornar contratante e contratada como corresponsáveis pelo cumprimento das leis trabalhistas durante a execução d o contrato. A terceirização é uma relação de parceria e, como tal, deve incluir obrigações para os dois lados. Aliás, nas ações judiciais dos dias atuais, os juízes costumam intimar contratante e contratada para responderem pelo que é devido ao reclamante. Os que veiculam essas falsas informações prestam um abominável desserviço à população. Ao distorcerem os fatos, eles levam as pessoas a acreditar no que não existe.
A desinformação é disseminada também com apoio em sofismas ardilosos. Um deles diz que os empregados das empresas contratadas ganham 30% menos do que os empregados das contratantes. Isso é falso. As pesquisas sérias mostram que, quando se comparam empregados na mesma profissão, as diferenças salariais são irrisórias e, muitas vezes, invertidas: os empregados das contratadas ganham mais que os das contratantes, como é o caso de vigilantes, seguranças e pessoal de limpeza (ver estudos de Hélio Zylberstajn, da USP, e Roberto Ellery, da FGV).
Outro sofisma malicioso sugere que empregados terceirizados sofrem mais acidentes do que os permanentes, desconsiderando que isso decorre do fato de os primeiros trabalharem em atividades mais perigosas. Não se podem comparar, por exemplo, as atividades dos funcionários da administração com as dos trabalhadores que reparam as linhas de força nas empresas de eletricidade. O diferencial de acidentes decorre da diferença das atividades, e não da terceirização.
Enfim, a lei foi votada na Câmara e no Senado. É hora de afastar as ideologias dos dois lados. Iludem-se os que veem na nova lei o potencial para gerar uma imensidão de empregos. Nenhuma lei tem essa força. Se isso fosse possível, não existiria desemprego no mundo. Empregos dependem de investimentos e de crescimento econômico. Chegou a hora, também, de afastar as falsidades pregadas pelos vendedores de mentiras.
Estou acompanhando com muita atenção o projeto de lei encaminhado ao Parlamento da Alemanha pela primeira-ministra Ângela Merkel que pretende responsabilizar os veículos das redes sociais pela veracidade das informações divulgadas. Pesadas multas serão aplicadas aos órgãos que veicularem mentiras que desorientam o público. Respeito e defendo a liberdade de expressão da mesma forma que respeito e defendo o direito de ser bem informado.
*PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS.
Por que programas de treinamento não funcionam e o que fazer
Michael Beer, Magnus Finnström e Derek Schrader
Outubro 2016
Por que programas de treinamento não funcionam e o que fazer
As corporações estão sendo vítimas de um assalto no que se refere a treinamento.
As empresas americanas gastam fortunas em treinamento e educação de funcionários — US$ 160 bilhões só nos Estados Unidos e mais de US$ 350 bilhões globalmente, só em 2015 — e não estão tendo um bom retorno de seus investimentos. Em geral, a aprendizagem não se traduz em melhor desempenho organizacional, já que as pessoas logo voltam ao seu antigo jeito de fazer as coisas.
Veja o caso de uma divisão de produtos de microeletrônica (MEPD, na sigla em inglês) de uma empresa que chamaremos SMA, estudada por um de nós. A SMA investiu num programa de treinamento para melhorar a liderança e a efetividade organizacionais. A MEPD foi uma das primeiras unidades de negócios a implementá-lo, e dele participaram praticamente todos os funcionários assalariados da divisão.
Os participantes descreveram o programa como muito poderoso. Durante uma semana eles se envolveram em inúmeras tarefas que exigiam atividade em grupo. O programa terminou com um plano para aplicar o aprendizado na organização. Pesquisas realizadas antes e depois do treinamento sugerem que houve uma mudança na atitude dos participantes.
Dois anos mais tarde, quando um novo diretor geral assumiu a liderança da divisão, ele solicitou uma avaliação do programa, que era bastante oneroso para a empresa. Na opinião dos gestores, pouco havia mudado depois do treinamento, ainda que na época tenha sido inspirador. Eles perceberam que era impossível aplicar o que tinham aprendido sobre trabalho em equipe e sobre colaboração devido a uma série de barreiras administrativas e organizacionais: falta de clareza estratégica, o estilo de gestão de cima para baixo do diretor geral anterior, o ambiente politicamente carregado e um conflito transfuncional. “O diretor geral anterior impactava fortemente nossa organização, e nós refletíamos seu estilo de gestão”, explicou um membro da equipe sênior da divisão durante uma entrevista. “Hoje, todos somos mais autoritários.”
Como estratégia de mudança, o treinamento definitivamente não funcionou. Aliás, raramente funciona, como descobrimos em nossa experiência em ensino e pesquisa e aconselhamento para dezenas de empresas. Por exemplo, uma fábrica sofreu numerosos reveses em suas unidades de operação, apesar dos US$ 20 milhões de investimento num centro extremamente sofisticado para treinamento de segurança. Os participantes de programas de educação corporativa geralmente nos dizem que o contexto no qual trabalham não é propício para pôr em prática o que aprenderam.
No entanto, executivos seniores e suas equipes de RH continuam a investir recursos em treinamento, anos após ano, num esforço de desencadear uma mudança organizacional. Mas o que eles realmente precisam é de uma nova forma de pensar a aprendizagem e o desenvolvimento. O contexto cria o ambiente para o sucesso ou o fracasso, por isso é importante participar, primeiro, do projeto organizacional e dos processos gerenciais para depois apoiá-los com ferramentas de desenvolvimento individual como coaching e sala de aula ou educação online.
Uma análise detalhada sobre o que não funciona
Obviamente, a educação com o objetivo de crescimento individual em si já é perfeitamente válida, e as pessoas desejam aprender e desenvolver habilidades que as ajudarão a progredir na carreira. No entanto, a razão básica para os executivos seniores e o RH investirem em treinamento de liderança é tornar seus líderes e a organização mais eficientes. Porém os resultados nesse front têm sido desanimadores. Três quartos dos quase 1.500 gestores seniores de 50 organizações entrevistados em 2011 pelo Conselho de Liderança Corporativa estavam descontentes com os programas de aprendizagem e desenvolvimento de suas empresas. Somente 25% os consideravam imprescindíveis para atingir resultados. Décadas de valiosos estudos mostram por que os programas não estão funcionando, mas, infelizmente, essa não foi a percepção da maioria das empresas.
Problemas nos programas de treinamento foram detectados já na década de 1950, num estudo original de liderança promovido no estado de Ohio. Os pesquisadores observaram que um programa para mudar a atitude dos supervisores da linha de frente sobre sua forma de administrar tinha sido bem-sucedido, mas um estudo de acompanhamento posterior revelou que a maioria dos supervisores tinha voltado a adotar os mesmos pontos de vista anteriores ao treinamento. As únicas exceções foram os chefes que praticavam e acreditavam nos novos estilos de liderança que o programa se propunha ensinar.
Então, na década de 1980, um de nós participou de um estudo segundo o qual os programas de treinamento não ajudavam na mudança organizacional: as empresas que tentaram promover grandes transformações treinando centenas ou milhares de funcionários de diversas unidades a se comportar de forma diferente foram suplantadas pela única empresa (numa amostra de seis) que não deu o pontapé inicial rumo à transformação. O problema era que mesmo funcionários bem treinados e motivados não conseguiam aplicar os novos conhecimentos e habilidades quando retornavam para suas unidades, que estavam moldadas para funcionar em seus métodos operacionais habituais.
A ideia de que os sistemas organizacionais — que definem funções, responsabilidades e relacionamentos — produzem um forte impacto na mentalidade e no comportamento das pessoas está documentada em vários estudos.
Esses resultados confirmam a pesquisa de Amy Edmondson, da HBS, e de Anita Woolley, da Carnegie Mellon University, segundo a qual é preciso que, primeiro, as organizações tenham “solo fértil” para que, depois, as “sementes” dos programas de treinamento possam vicejar. Quando analisaram os programas de treinamento corporativo criados com o objetivo de melhorar a resolução de problemas e a comunicação entre gestores e subordinados, as pesquisadoras descobriram que os resultados eram altamente variáveis em toda a organização. As melhorias eram mais eficazes em unidades que já tinham desenvolvido um clima “psicologicamente seguro” no qual os subordinados se sentiam livres para falar abertamente.
Com todas essas fontes de pesquisa aprendemos que a educação e o treinamento são os itens mais visíveis na mudança organizacional e nos esforços de desenvolvimento defendidos pela liderança sênior. Isso porque esses esforços motivam as pessoas a aprender e a mudar, criam as condições para colocarem em prática seu aprendizado, promovem melhorias imediatas na eficiência individual e organizacional e implantam sistemas que ajudam a promover o aprendizado.
Um baixo retorno sobre o investimento não é o único resultado negativo de iniciativas de treinamento malsucedidas. Os funcionários abaixo do topo hierárquico tornam-se céticos. Os líderes corporativos enganam a si mesmos, acreditando que com a educação corporativa introduzem mudanças reais, mas outras pessoas da organização estão mais bem informadas, como vimos no exemplo da MEPD. Por que os líderes não se dão conta disso? Por dois motivos.
Em primeiro lugar, eles automaticamente veem a organização como um agregado de indivíduos. Segundo essa lógica, as pessoas precisam ser selecionadas e desenvolvidas por meio de conhecimento, habilidades e atitudes “corretas” para aprimorar a efetividade e o desempenho da instituição. Por isso o RH define o quesito competências pessoais de acordo com a estratégia da companhia, e depois vende à gestão sênior programas de treinamento projetados para desenvolver essas competências na crença de que em seguida a organização mudará.
Esse modelo de desenvolvimento amplamente adotado não reconhece que as organizações são sistemas de elementos interagentes: funções, responsabilidades e relacionamentos são definidos pela estrutura, processos, estilos de liderança, background profissional e cultural das pessoas da organização e por políticas e práticas de RH. E ele não reconhece que todos esses elementos juntos guiam o comportamento e o desempenho organizacional. Se o sistema não mudar, ele não fomentará a mudança de comportamento individual — na verdade, ele poderá predispor as pessoas ao fracasso (ver quadro “Como se desvencilhar de falsas suposições sobre desenvolvimento de capacidades”).
Em segundo lugar, gestores de RH e de outras áreas acreditam que é difícil ou impossível enfrentar líderes seniores e suas equipes com uma verdade desconfortável: qualquer falha na execução da estratégia e na mudança do comportamento organizacional tem como causa não as deficiências individuais, mas as políticas e práticas criadas pela gestão sênior. E isso precisa ser consertado o quanto antes para que o treinamento possa ser bem-sucedido a longo prazo. Para o RH é muito mais fácil apontar as competências dos funcionários como o problema, e o treinamento como a solução mais óbvia. Essa é uma mensagem a que os líderes seniores são receptivos.
Superando barreiras para mudar
Em nosso trabalho de facilitar conversas francas dos gestores sobre a efetividade de suas empresas, seis barreiras comuns foram mencionadas. As empresas lutam sistematicamente contra: (1) falta de clareza em relação a estratégias e valores, o que muitas vezes leva a prioridades conflitantes; (2) executivos seniores que não trabalham como equipe e não estão comprometidos com a nova direção ou que não reconhecem mudanças necessárias em seu próprio comportamento; (3) o estilo de cima para baixo ou de laissez-faire do líder, o que impede conversas francas sobre os problemas; (4) falta de coordenação entre negócios, áreas ou regiões devido à fraqueza de algum projeto organizacional; (5) tempo e atenção inadequados dispensados pela liderança às questões relacionadas ao talento; (6) medo dos funcionários de falar com a equipe sênior sobre os obstáculos à efetividade da organização.
Por causa desse medo, chamamos essas barreiras de “assassinos silenciosos”. Eles quase sempre aparecem juntos e bloqueiam as mudanças sistêmicas necessárias para garantir a efetividade dos programas de treinamento e educação. Observamos como eles impediram, logo no início, o desenvolvimento da liderança de uma empresa de tecnologia médica do Reino Unido. Insatisfeito com seu banco de gestores, o CEO procurou aconselhamento para melhorá-lo. Embora seus parceiros de RH recomendassem investimentos em treinamento, ele resolveu retroceder e nos pediu que ajudássemos sua equipe sênior a capacitar os executivos da organização a falar abertamente aos superiores sobre as barreiras ao aprimoramento de tais gestores.
Uma força-tarefa com autoridade para conduzir entrevistas confidenciais relatou que o problema não estava na falta de treinamento. Na verdade, a equipe sênior não havia articulado uma estratégia e valores corporativos claros, por isso os executivos não sabiam que práticas e comportamentos eram esperados deles. A equipe do topo também não se empenhou muito em discutir talentos e planejar atribuições desafiadoras para aqueles com potencial mais alto. E como a gestão sênior não tinha criado uma corporação integrada, os líderes estavam retendo os melhores talentos e transferindo os piores para garantir que sua própria unidade de negócios tivesse êxito. Obviamente, a empresa precisou enfrentar essas questões sistêmicas antes de introduzir um programa de aprendizado produtivo para os gestores. Integrar melhor toda a empresa já seria, em si, uma experiência de desenvolvimento de capacitação para a equipe sênior e para gestores-chave, o que levaria a uma melhor percepção das lacunas de habilidade que o treinamento e a educação deveriam preencher.
Esta é a abordagem para desenvolvimento de talentos que defendemos, com seis passos básicos:
A equipe sênior deixa claros os valores e estabelece uma direção estratégica inspiradora.
Depois de reunir observações anônimas, sinceras e insights de gestores e funcionários, a equipe diagnostica as barreiras à execução da estratégia e ao aprendizado. Ela então redefine funções, responsabilidades e relacionamentos da organização para superar as barreiras e motivar a mudança.
Coaching diário e processos de consulta ajudam as pessoas a se tornar mais eficientes na execução do novo projeto.
A organização disponibiliza o treinamento onde for necessário.