A ‘discriminação’ da mulher

por Jose Pastore

Estadão 29/04/2021

 

OPLC 130/2011 recentemente aprovado pelo Senado federal estabelece que os empregadores serão obrigados a pagar uma multa de cinco vezes o valor da diferença entre o salário do homem e o da mulher na mesma função se assim for determinado pela Justiça do Trabalho. Por causa de mudanças introduzidas pelos senadores, o projeto voltou para a Câmara dos Deputados (casa de origem) para uma nova avaliação.

Os senadores partiram do fato que as mulheres são discriminadas porque ganham 23% menos do que os homens. Essa média é real, mas não separa os salários do trabalho formal do informal. Mais do que os homens, as mulheres são mais frequentes no segmento informal que, como regra, paga salários mais baixos (diaristas, faxineiras, empregadas domésticas, cuidadoras etc.). Além disso, são muitas as mulheres que trabalham menos horas por semana.

Essas características puxam os seus salários para baixo. Quando se analisa apenas o mercado formal, a diferença de salários entre mulheres e homens cai para 17%. E, quando se leva em conta a remuneração do trabalho-hora, a diferença cai ainda mais – para 10%.

Diferenças de remuneração decorrem de inúmeros fatores: experiência na profissão e na função, senioridade, especialização, desempenho pessoal (produtividade), assiduidade, liderança, curiosidade, criatividade, satisfação pelo que faz, domínio de tecnologias digitais e outros.

Nos Estados Unidos, a Payscale, por exemplo, descreve com incríveis detalhes as diferenças apontadas, demonstrando ter um profundo conhecimento da semântica das empresas para definir as atividades que entram nas funções dos seus profissionais. Por exemplo, a remuneração das médicas americanas é 29% menor do que a dos médicos. Mas, depois de controlar pelos fatores indicados, ela cai para 4,6%. Na advocacia, as mulheres ganham 14,8% menos do que os homens. Mas, submetida aos referidos controles, a diferença cai para 4,1%.

Será extremamente difícil para os magistrados brasileiros separar esses efeitos dos devidos a uma eventual discriminação. Ao longo de cinco anos pode ter havido uma grande variação nas atividades exercidas pelas reclamantes. Como detectar discriminação nas diferentes funções que exerceram?

“Função” também é um atributo cheio de nuances. Por exemplo, os médicos que trabalham em um centro cirúrgico costumam ser registrados como cirurgiões. Sua função é a de operar. Ocorre que, em determinado ato, um atua como líder, acumulando responsabilidades que os outros não têm. Como atribuir à discriminação as eventuais diferenças de remuneração nesse caso? E quando os médicos trocam de posições ao longo do tempo?

O projeto aprovado cria situações para as quais as provas judiciais são impraticáveis para os dois lados, levando os juízes a tomar decisões subjetivas. Ademais, a sistemática proposta pelos senadores cria um passivo trabalhista monumental em decorrência de multas indefensáveis, de efeito retroativo e fora do planejamento das empresas. Realmente, no Brasil, nem o passado é previsível.

Isso prejudicará empregados e empregadores que praticam políticas de retenção de recursos humanos com baixa rotatividade. Prejudicará em especial as pequenas e microempresas, que não possuem planos de cargos e salários detalhados com claras definições de funções.

Trata-se de um convite para judicializar ainda mais as relações de trabalho. A estimulação do conflito trará prejuízo para o bom ambiente de negócios e pode levar as empresas a evitar a contratação de mulheres. O projeto precisa de uma boa revisão.

 

Prof. Jose Pastore

Professor da FEA-USP e presidente do conselho de emprego e relações do trabalho da Fecomercio-SP. É membro da Academia Paulista de Letras

 

Pandemia desmistifica home office e revela efeitos negativos de trabalhar em casa

Limite o horário de trabalho da sua equipe para eliminar erros e a possibilidade de problemas de saúde ocasionados pela sobrecarga.

Por: Lúcia Müzell

Publicado pela RFI em 17/06/2020

No começo, parecia a situação ideal: poder trabalhar de casa, sem pegar transporte e encontrar um melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Mas com o passar do tempo, o lado B do home office foi aparecendo para as milhões de pessoas que puderam desfrutar dessa alternativa durante a pandemia de coronavírus.

Publicidade

Conexão ruim com a internet, computador pessoal inadequado, cadeira desconfortável, controle acentuado dos superiores, dificuldade de realizar as mesmas tarefas longe do escritório, isolamento, burn-out. A lista de consequências negativas do trabalho remoto é longa e pode levar as empresas a ter de enfrentar uma onda de processos trabalhistas nos próximos anos.

Nos países europeus, a pandemia subitamente multiplicou por dois, três ou até quatro vezes o número de pessoas trabalhando em casa. A emergência sanitária fez com que essa transição, embora prevista em acordos sociais em vigor no bloco há mais de 10 anos, fosse feita de maneira bastante improvisada, observa o pesquisador Christophe Desfreys, do Instituto Sindical Europeu, de Bruxelas.

“Alguns vão poder trabalhar em uma casa confortável, com um escritório separado, uma mesa e uma boa cadeira, enquanto outros precisarão trabalhar num canto da mesa da cozinha ou da sala. Por uma semana, tudo bem. Mas por vários meses, acabam tendo dor nas costas, na nuca, nos ombros”, explica. “As condições de segurança do trabalho não estão mais reunidas e eles acabam pagando até fisicamente por isso.”

Trabalho em casa significa menos exercício

Essa é a razão pela qual a gerente Angèle Calabrese não vê a hora de retornar ao banco onde trabalha, em Paris. “Não tenho um escritório, então preciso trabalhar na sala, no quarto. Tenho colegas que já faziam um pouco de home office e tinham adaptado a casa, comprado uma boa cadeira. No meu caso, não”, descreve.

“Comecei a ficar com dor nas costas e na coluna. Em casa, a gente também para de se movimentar, de caminhar de um lugar para o outro. Passei a acordar mais cedo para caminhar na rua e assim melhorou, mas não é todo mundo que consegue fazer isso. Conheço várias pessoas que estão cheias de dores”, afirma Angèle.

Perfis de profissionais que não se adaptam ao home office © Pixabay

Conexão até de madrugada

Na França, uma pesquisa do instituto Opinionway mostrou, no começo do mês, que 48% dos trabalhadores em home office se sentem “abandonados” pela empresa e, para 31%, a organização das tarefas a executar não está adaptada ao ambiente caseiro. Um terço dos ouvidos pelo estudo acham que faltam compensações para a carga extra de trabalho gerada pelo home office.

O início da quarentena coincidiu com o retorno ao trabalho da especialista em marketing Jeanine Lau, 32 anos e mãe de trigêmeas de apenas 1 ano. Ela relata que, nessa situação excepcional, contou com apoio técnico e a compreensão da empresa. Jeanine tem horários flexíveis, mas nem assim consegue terminar tudo que precisa fazer num dia.

“Sei que de tal a tal hora, não poderei ter nenhuma reunião porque preciso dar comida para as minhas filhas. No entanto, às 23h ou à meia-noite, ainda estarei conectada porque ainda tenho trabalho para finalizar depois que as meninas foram dormir”, diz a francesa. “A vida profissional e a pessoal estão completamente misturadas. Às vezes, quando vejo, ainda estou enviando e-mails às 2h da manhã.”

Economia para as empresas

Do ponto de vista financeiro, frisa o pesquisador belga, a generalização do home office representa uma fonte considerável de economias para as empresas. “Em algumas delas, o número de escritórios não correspondia mais ao número de empregados. Já havia uma vontade de diminuir o espaço físico e estimular que os funcionários trabalhassem mais de casa, principalmente nas empresas de tecnologia”, pontua Degryse. “Ou seja, haverá uma redução de custos que vai acabar sobrando para o funcionário, indiretamente.”

Em um balanço provisório da adaptação das companhias ao trabalho remoto em grande escala, o sindicato patronal da França, Medef, avaliou que, embora as empresas estejam prontas para ampliar essa prática e torná-la mais perene, a presença física ainda se mostra indispensável na maioria dos setores. A entidade pontua a “riqueza” da interação social com os colegas, tanto em termos de produtividade quanto de satisfação profissional.

Christophe Degryse destaca que, durante a pandemia, em muitos casos as trocas se limitaram ao estritamente necessário, com impacto na coesão da equipe. “Poderiam pensar um lugar virtual de máquina de café onde os colegas poderiam se encontrar para conversar sobre outras coisas, como o último filme que assistiram ou como foi o fim de semana. São interações sociais importantes para criar o espírito de equipe em uma empresa”, sugere.

Ele afirma que, além do isolamento, há também o risco da desmotivação. “Temos a impressão de trabalhar o tempo todo sozinhos, em casa, e não temos mais a impressão de fazer parte de uma equipe que trabalha em um projeto coletivo.”

Na França, o retorno ao trabalho nas empresas está acontecendo de maneira gradual. Mas segundo a Associação dos Diretores de Recursos Humanos do país, 74% das companhias pretendem ampliar a prática do trabalho remoto, independentemente da pandemia.

 

A RFI é uma rádio francesa de notícias que transmite para o mundo todo em francês e em outros 15 idiomas.