As duas faces da improdutividade

Parece que ela não pode ser superada pela multiplicação de programinhas de treinamento. O mais crítico é preparar sólidas lideranças, o resto é consequência

Existe um amplo consenso acerca da necessidade de melhorar a produtividade do trabalho no Brasil. Ela cresceu a uma taxa média de 4% ao ano, de 1950 a 1980. Mas desde então tem crescido a menos de 1% ao ano, com a honrosa exceção do agronegócio.

Isso se deve, em parte, à fraqueza do sistema educacional, em que pese havermos universalizado o acesso à educação básica. Pesa também a taxa medíocre de investimento nos últimos decênios, com uma relação investimento/PIB da ordem de 17% ao ano. Compare-se com os 32% da Índia e os 44% da China. Também tem sido limitada a inovação tecnológica, a acumulação de conhecimento institucional e as melhorias nas práticas de gestão, fatores críticos para o aumento da produtividade.

Além disso, o labiríntico ambiente de negócios fomenta a informalidade e, por conseguinte, a baixa produtividade (custo Brasil). Essa perspectiva macro ilumina a dimensão do problema. Porém, esconde a essência da improdutividade. Quais os atos, gestos e decisões cujo somatório compromete a produtividade? Sem entender o seu nível molecular, é difícil lutar contra ela.

Nas análises ocupacionais, fracionam-se as ocupações em suas tarefas mais elementares, analisando a natureza de cada uma delas e as competências necessárias para a sua consecução – tais como destreza, abstração, conhecimento técnico, etc.

Com base na introspecção de um dos autores deste artigo, que é marceneiro amador, simulamos uma tal análise para a profissão de marceneiro tradicional. Na fabricação de uma cadeira, por exemplo, podemos listar todas as tarefas necessárias, bem como as suas respectivas competências. Na fase inicial, é desenho, planejamento e escolha de técnicas. Já a fase de produção exige da mão de obra, sobretudo, destreza manual e experiência de trabalho. Isso, desde que os problemas de natureza mais abstrata ou conceitual possam ser resolvidos pela chefia.

Profissionalismo e dedicação vêm sempre de cima para baixo. E, se necessário, os chefes ensinam os “gestos profissionais”. Portanto, liderança e domínio do ofício são condições sine qua non para as chefias.

Apliquemos essas ideias a duas situações reais. A primeira é a oficina mecânica da Usina Queiroz Júnior, uma siderúrgica em Minas Gerais, produzindo gusa e fundidos de ferro e aço. Nos anos 50, lá trabalhavam cerca de 120 torneiros, soldadores, ajustadores e caldeireiros. À época, não havia sequer um operário com curso profissional. Todos aprenderam na própria oficina. No entanto, essa oficina tinha padrões técnicos próximos aos europeus. Como foi isso possível? Três pessoas fizeram a mágica. Jan Hasek, engenheiro-técnico checo que, além dos conhecimentos da profissão, manejava com perfeição uma lima ou um torno. Era autoritário, mas adorado por sua equipe. O segundo era Franz Hermann, um mestre mecânico alemão, um role model para todos. O terceiro era Fritz Boetger, ex-engenheiro de um estaleiro de submarinos. Seus bons exemplos forjaram o ambiente da oficina.

O segundo caso é a negação do primeiro. Trata-se da construção da casa de um dos autores. Como ele próprio trabalhou na obra (com as madeiras), pôde observar de perto os operários. O construtor era um engenheiro honesto, mas de perfil limitado, pois não dominava os ofícios de uma obra e faltavalhe liderança. Daí as frequentes desavenças com a equipe.

Os operários não tinham a competência ou o profissionalismo requeridos. E nem motivação para aprender. Como o engenheiro aceitava trabalho malfeito, faziam qualquer coisa para ver se passava.

A obra estava sempre imunda, os materiais esparramados pelo chão. O telhado da cozinha foi refeito quatro vezes. Quase todos os canos vazaram e as goteiras foram muitas. No caso da fossa, ninguém sabia qual dos cilindros vinha primeiro – saíram trocados.

Ainda que não possamos tratar os dois casos como evidência no sentido convencional, são dois exemplos do mundo real, representando duas situações polares.

A Mecânica mostra que é possível obter alta produtividade sem programas estruturados de formação profissional. Aprende-se tudo na oficina.

A grande diferença parece estar no lado da liderança. Os mecânicos tinham com quem aprender seus ofícios e um ambiente onde adquirir os valores do profissionalismo. Todos temiam os chefes, mas aceitavam suas exigências. Cada tarefa tinha um claro padrão de qualidade. Além disso, os operários eram orientados nas decisões mais complexas.

O contraste com a obra não poderia ser maior. Os operários viam o engenheiro como um adversário, não como um guia e um líder a ser seguido. As limitações de cada um ditavam a qualidade. Não havia clima para adquirir uma profissão. E seria sem sentido oferecer cursos para esse time.

Esse raciocínio nos conduz à hipótese da enorme importância da liderança, seja técnica, seja transmitindo os valores da profissão, seja pela sua legitimidade.

Apesar da parca evidência, sugerem-se algumas ideias. Parece que a improdutividade não pode ser superada pela multiplicação de programinhas de treinamento. O mais crítico é preparar sólidas lideranças, o resto é consequência. •

RESPECTIVAMENTE, PH.D., CONSULTOR INDEPENDENTE, É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO; E PH.D., PROFESSOR ASSOCIADO DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL, FOI DIRETOR DE POLÍTICA ECONÔMICA E DÍVIDA DO BANCO MUNDIAL

Inteligência Artificial

Como o RH pode utilizar a inteligência artificial

Quando falamos em inteligência artificial, todos já imaginam filmes memoráveis de ficção científica, androides e robôs de todo tipo e tamanho. Ok, não é bem isso. Mas o fato é que a inteligência artificial hoje já é uma realidade que vem sendo utilizada para facilitar processos e tornar a vida empresarial mais eficaz e dinâmica. E na área de recursos humanos, ela já se consolidou também.
Três tipos de inteligência artificial
Em primeiro lugar, temos de separar a inteligência artificial em alguns grupos diferentes. Embora os robôs futuristas ainda sejam algo em testes e pouco aplicável na rotina empresarial, tais robôs existem em sua forma virtual. Hoje, a inteligência artificial pode ser aplicada em RH em três grupos distintos:
  • Biometria;
  • Bots e automatizadores;
  • Algoritmos.
A biometria ainda caminha a passos pequenos no Brasil, mas já é utilizada amplamente em áreas como a bancária, por exemplo. Sistemas de reconhecimento de digitais já são populares e instrumentos de reconhecimento facial, pela íris ou por comando de voz se tornam cada dia mais comuns no país.
Basta dizer que até mesmo o bom e velho relógio de ponto agora funciona por intermédio de digitais de funcionários, que registram sua entrada e saída dos locais de trabalho. Claro que, infelizmente, como Brasil é Brasil, a despeito da automatização ainda temos de lidar com milhares de impressos, notas e cupons que são acumulados – uma herança da burocracia incômoda que afeta nosso dia a dia.
Contudo, para fins empresariais, isso tudo não é necessário. O fato é que o uso da biometria tornou mais fácil medir índices importantes para o RH, como a assiduidade dos funcionários, seus horários de trabalho, cálculos e estimativas de horas-extras, entre outros. Com o tempo, tais sistemas devem evoluir mais e permitir que se controlem dados e informações não apenas na entrada e saída, mas durante todo o expediente.
Em segmentos como o comercial, o reconhecimento facial, por exemplo, vem sendo testado para medir reações de clientes e potenciais clientes. No futuro próximo, esse tipo de expediente poderá ser utilizado para avaliar e medir o grau de satisfação dos trabalhadores de uma empresa, seu moral e até mesmo o grau de relacionamento e conexão entre eles.
Sistemas de reconhecimento de voz poderão também detectar problemas de relacionamento e conflitos entre o quadro de empresas, mas isso ainda é conjectura, por enquanto.
O segundo grupo de aplicação da inteligência artificial inclui os chamados bots. Esse tipo de inteligência realiza buscas e análises automatizadas em dados e informações hoje presentes na internet e nas redes internas das empresas. Tudo o que era feito manualmente em meses passou a levar segundos, e nada impede esse tipo de tecnologia de atingir a consulta em tempo real no futuro – para qualquer tipo de dado.
Embora esse tipo de mecanismo seja hoje mais conhecido em RH para a área de recrutamento e seleção, a verdade é que sua aplicação interna nas companhias vem crescendo de maneira idêntica.
Finalmente, os algoritmos provam ser cada vez mais uma ferramenta de simplificação e ganho de eficiência para o RH. Novamente, é preponderante na área de recrutamento, porém vem sendo igualmente utilizado para melhorar processos nas áreas de gestão de talentos, análise comportamental e people analytics.
O que o RH ganha com a inteligência artificial?
  • Criou terreno para decisões mais rápidas e mais eficazes;
  • Acelerou a comunicação entre o RH e outros setores das empresas;
  • Facilitou o reconhecimento de padrões e tendência;
  • Permitiu a elaboração de modelos e projeções mais amplos e muito mais precisos;
  • Transformou a tentativa e erro em um processo quase indolor;
  • Possibilidade controle mais próximo de grandes quadros de colaboradores;
  • Avaliações à distância mais eficazes;
  • Rapidez de comunicação e propagação.
O RH tornou-se um departamento mais relevante. Suas análises e relatórios, hoje permeados com tecnologia e informações massivas e relevantes resumidas a tendências e, às vezes, umas poucas tabelas e gráficos, transformou um departamento antiquado e visto como custoso para as empresas em algo essencial no processo de decisões globais da organização.
Sem estudar e avaliar as tendências de comportamento e produtividade das pessoas, as empresas ficavam no escuro para tomar decisões em relação ao pessoal – era tudo meio que um tiro no escuro. Com as informações proporcionadas pela inteligência artificial, padrões e modelos apontam tendências e projeções que facilitam decisões, mesmo quando tomadas com meses ou anos de antecedência.
É a tecnologia transformando algo totalmente subjetivo em um universo praticamente que matemático. Isso é o grande divisor de águas existente nas inovações que vemos hoje: dados de RH e pessoal, antes visto como uma coisa caótica e sem organização pelas direções das empresas, hoje podem ser tratados como mais um braço importante de relatórios e números a serem analisados a cada nova decisão.
Algoritmos em tudo
Sim, é a realidade que vemos hoje. Bem, os profissionais hoje começam a se submeter aos algoritmos que um dia serão usados para definir seus perfis e qualificações em vagas de emprego ainda quando crianças ou adolescentes.
Ao usar redes sociais como Facebook, LinkedIn, Instagram e tantas outras, essas pessoas deixam rastros de sua personalidade, comportamento e até mesmo gostos e competências, os quais serão usados futuramente por empresas não apenas para realizar triagens em candidatos durante processos de seleção, mas também para criar testes, entrevistas e rotinas capazes de avaliar melhor as competências desses profissionais.
A era da personalização atingiu seu ápice e o mais provável é que nos próximos anos vejamos processos de recrutamento que submetem cada um dos candidatos a análises completamente diferentes e personalizadas.
Os algoritmos criaram essa possibilidade. Essas fórmulas e padrões matemáticos são um avanço de duas faces. Por um lado, eles permitem que generalizemos grandes grupos de pessoas, enquadrando-as em categorias similares por conta de comportamentos ou perfis que se assemelham.
Por outro lado, permitiram também apontar desvios e diferenças de cada um em relação à média, sugerindo melhorias individualmente, sem perder o foco no volume e no massivo.
Riscos
Claro, há também riscos do uso de inteligência artificial para lidar com pessoas. Podemos nos tornar mais insensíveis e perder nossa sensibilidade e humanidade. Avaliar pessoas por meio de algoritmos é uma forma de agilizar processos, mas não podemos esquecer de manter o contato humano como sendo a palavra final na coisa toda.
A inteligência artificial tem, ao mesmo tempo, a capacidade de aproximar e facilitar relacionamentos, especialmente em empresas com grandes quadros de funcionários. Contudo, sem controle e comedimento, ela pode destruir e tornar obsoletos todos esses relacionamentos, criando uma organização que funciona com base na eficiência, mas se esquece de seus valores humanos – algo que o RH, sempre que possível, não deve permitir.
A inteligência artificial pode ainda criar uma ideia falsa de que as coisas simplesmente andam sozinhas. Ainda que processos sejam automatizados e ganhos e sinergias ocorram em todas as áreas, o ser humano ainda é o grande decisor. O profissional de recursos humanos não terá um trabalho mais tranquilo, ele apenas deixará de lidar com boa parte do operacional que toca hoje e passará a assumir tarefas mais estratégicas. Contudo, preguiçosos sempre irão surgir quando tecnologias permitirem. Aliás, se você usar bem a inteligência artificial, quem sabe não pode detectá-los antes mesmo que apareçam.