Salários iguais, agora é lei

Como funciona a lei que iguala salário de mulheres e homens na mesma função

Estadão 11 julho 2023 - LUCIANA DYNIEWICZ, JAYANNE RODRIGUES, GIORDANNA NEVES
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Trabalho Proposição foi resultado de um compromisso de campanha de Lula, e retomou trecho da CLT que virou letra morta por falta de punição.

Enviado ao Congresso este ano, no Dia Internacional da Mulher (8 de março), o projeto de lei que prevê equiparação salarial entre homens e mulheres no País teve um tramitação rápida: em pouco mais de três meses foi aprovado na Câmara e no Senado e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, é a Lei 14.611/2023. Mas será suficiente para tornar as relações trabalhistas mais justas e igualitárias no Brasil?

O desafio será grande. “Das temáticas relacionadas à equidade de gênero, uma das mais complexas é a equiparação salarial”, diz a gestora executiva do Movimento Mulher 360 e CEO da Goldenberg Diversidade, Margareth Goldenberg. “As empresas sempre acham que não há desigualdade salarial, mas, quando se faz um diagnóstico, começam a perceber as diferenças.”

Pelo que apontam pesquisas internacionais sobre o tema, essas diferenças são significati-vas, ainda que venham caindo ao longo do tempo. Em fins de junho, o Fórum Econômico Mundial divulgou o Relatório Global da Diferença de Gênero 2023, uma avaliação anual sobre a paridade de remuneração entre homens e mulheres. O documento mostra o Brasil na 57.ª posição em uma comparação de 146 países. Pelo levantamento, as mulheres brasileiras ganham, em média, 17,4% menos que os homens. Na pesquisa de 2022, o Brasil estava em 94.º lugar.

Pode até parecer um grande avanço, mas, mesmo com esse salto de 37 posições no ranking, o Brasil vai mal na fotografia. Continua atrás de vizinhos do continente como Chile (27.º),Peru (34.º) e Argentina (36.º) e de economias continentais bem mais tímidas, como Equador (50.º), Suriname (52.º) e Bolívia (56.º). Na média, o bloco da América Latina precisaria, na projeção estatística do Fórum Econômico Mundial, de mais 53 anos para atingir a paridade de gênero. Isso, claro, se mantiver o grau de comprometimento. E contando também com a ausência de fatores negativos, como foi a pandemia de covid-19.

DIFICULDADES.
Na gestão individual das empresas, Margareth admite que há uma dificuldade em fazer a comparação da remuneração dos homens e das mulheres, mas que já há algumas – poucas– metodologias desenvolvidas por multinacionais para isso. Elas levam em conta critérios como cargo, tempo de empresa e resultado em avaliações. Em caso de ações trabalhistas, haverá para as empresas formas de justificar a diferença salarial, dado que será possível usar diferentes indicadores.

Na visão da advogada trabalhista Paula Boschesi Barros, do Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, diante da complexidade de aplicação da lei, é possível que, em um primeiro momento, haja um aumento da judicialização do tema. A advogada, entretanto, afirma que isso não necessariamente será ruim. “Se a empresa tiver de se defender em juízo, talvez pense antes se está sendo discriminatória. A lei pode gerar uma discussão sobre o assunto e uma conscientização forçada.”

Entre os pontos de complexidade que Paula vê na aplicação da lei está o fato de, na esferaadministrativa – a do Ministério Público do Trabalho –, não haver muito espaço para usartestemunhas como prova. Ela acredita que empresas que forem autuadas deverão levar aquestão para o Judiciário para poderem produzir provas testemunhais.

MULTAS.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, já trazia proibições a respeito da discriminação do trabalho, e uma alteração feita em 1952 foi explícita em dizer que, “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”. À época, entretanto, não havia nenhuma pena prevista. Com isso, a regra virou letra morta.

Mesmo quando foi imposta uma punição, ela era branda e raramente aplicada. Em tese, o empregador era obrigado a pagar 50% do teto do regime previdenciário, cerca de R$ 3,7mil. A novidade da lei de 2023 é a previsão de multas mais robustas no descumprimento da equiparação. Agora, esse valor será dez vezes o salário que deveria ser pago para a funcionária que, na prática, exerce a mesma função que o colega, mas recebe uma remuneração inferior.
Além disso, toda empresa com mais de cem empregados será obrigada a elaborar relatórios semestrais de transparência salarial e de critérios de remuneração. Caso seja constatada diferença salarial, a empresa terá de apresentar e pôr em prática um plano de ação para mitigar a desigualdade. Esse planejamento precisa incluir metas e prazos, e a legislação garante a presença de representantes sindicais e dos empregados na discussão.

Conforme determinado pela lei, as sociedades que falharem em cumprir as regras estão sujeitas a uma multa administrativa de até 3% da folha de salários do empregador, que deve ser limitada a cem salários mínimos – R$ 132 mil reais, atualmente. “A lei é o primeiro de inúmeros passos”, resumiu a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. “Vai doer no bolso, tem que doer no bolso. Paralelo a isso nós vamos fiscalizar”,afirmou Tebet.

BUROCRACIA
Alguns especialistas temem que os relatórios semestrais acabem se tornando apenas mais um custo de gestão

PROMESSA.
A proposição foi resultado de um compromisso assumido pelo presidente Lula durante acampanha eleitoral. A medida foi, inclusive, uma das condicionantes para que Tebet, entãopresidenciável do MDB, apoiasse o petista no segundo turno contra o ex-presidente JairBolsonaro (PL). O primeiro projeto era mais duro que a versão aprovada no Congresso.

A primeira versão, assinada por Cida Gonçalves, ministra das Mulheres, e por Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego, estabelecia uma multa de dez vezes o maior salário pago na empresa, elevado em 100% em caso de reincidência. Esse trecho recebeu críticas de diferentes deputados e segmentos e foi alterado em acordo firmado com líderes partidários da Câmara. A multa administrativa, antes de até 5% sobre a folha de pagamentos também passou por modificações e ficou definida em até 3%. A versão inicial também obrigava a apresentação de relatórios por empresas com mais de 20 empregados. A mudança para cem foi resultado de emendas apresentadas pelos parlamentares e de negociação nas Casas Legislativas.

 

Diploma aumento sua remuneração

Metade dos que têm diploma ganha até 4 salários mínimos

Quase metade dos trabalhadores com ensino superior que atuam no mercado formal no país ganhavam, no máximo, quatro salários mínimos em 2013 (o equivalente na época a R$ 2.712).

A faixa de renda entre dois e três salários mínimos era a que agrupava a maior fatia dos que possuem diploma universitário (16% do total).

Apenas 5,3% dos trabalhadores com ensino superior tinham remuneração média superior a 20 mínimos.

Entre trabalhadores com mestrado e doutorado, o percentual dos que recebiam o teto de quatro mínimos no ano passado era de, respectivamente, 36% e 23%.

Os dados –que foram levantados pela Folha na Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho– são um retrato da realidade salarial do país. “Os salários pagos no Brasil, de forma geral, ainda são baixos, apesar de a renda ter aumentado”, afirma o economista Naercio Menezes Filho, do Insper.

Menezes Filho e outros especialistas destacam também que os dados podem refletir diferenças na qualidade dos cursos de ensino superior.

“Existe uma heterogeneidade grande na formação superior”, diz Fernando Veloso, economista da FGV.

m estudo de Menezes Filho mostra que, nos últimos anos, os salários pagos em carreiras com grande número de formados caíram. É o caso de áreas como enfermagem, administração de empresas e marketing.

Já carreiras como medicina, engenharias, economia e ciências sociais registraram aumento de salários.

“Parece existir um efeito de mudanças de demanda e oferta no mercado, mas fatores como diferenças na qualidade da formação também podem influenciar os salários”, diz Menezes Filho.

“PRÊMIO” SALARIAL

Economistas ressaltam, no entanto, que a recompensa em termos de renda a mais (“prêmio” salarial) por um diploma universitário no Brasil permanece elevada, embora tenha caído.

Em 2011, trabalhadores com diploma universitário tinham remuneração, em média, 160% maior do que aqueles com ensino médio.

Segundo dados da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), esse “prêmio” era o segundo maior em um grupo de 34 países desenvolvidos e emergentes grandes.

Isso se explica, em parte, pela fatia ainda baixa –embora crescente– da população adulta (25 a 64 anos) com ensino superior no país.

De acordo com a OCDE, em 2011, esse percentual era de apenas 12%, o mais baixo entre os países para os quais a instituição tem estatísticas.

Os dados da Rais mostram que a parcela dos trabalhadores no mercado formal com ensino superior aumentou pouco. Entre 2007 e 2013, passou de 15,2% para 17,8%.

As estatísticas da Rais incluem tanto trabalhadores regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) quanto servidores públicos com estabilidade (estatutários) e sob regime especial.

Em 2013, o total de trabalhadores computado na Rais era de 48,9 milhões.

O economista Simon Scwhartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade afirma que a ampliação de bolsas e do financiamento estudantil representa um incentivo a mais para a conclusão do ensino superior no Brasil: “Como o custo do ensino superior é baixo e muitos cursos são à noite e não requerem muito estudo nem formação anterior, acho que vale a pena”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Erica Fraga
São Paulo