Emprego e renda na indústria criativa

por Jose Pastore
Estadão 29/06/2023

Em cerimônia realizada pelo governador Tarcísio de Freitas e a secretária Marilia Martonem 22/6/2023, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo foi reba-tizada como Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas. Mais do que meramudança de nome, a nova marca aponta para o reconhecimento da dimensão econômicadas artes cênicas e visuais, arquitetura, design, editoração, moda, museus, música, artesa-nato, rádio, televisão, publicidade e criação de softwares e jogos culturais.

No Brasil, há 7,5 milhões de profi ssionais trabalhando nessas áreas, 7% da força de traba-lho, que geram quase R$ 300 bilhões anuais, ou seja, mais de 3% do Produto Interno Bruto(PIB) do País. É uma contribuição expressiva, que está à frente da indústria automotiva(2,5%). O PIB desse setor cresce mais depressa do que o PIB nacional. Nele predominam osprofi ssionais de nível médio e superior, o que se refl ete na renda do trabalho. Em 2022, osalário médio foi de R$ 4 mil mensais, 30% acima da média nacional. Para os que traba-lham em publicidade e tecnologia da informação, os salários ultrapassam R$ 7, 5 mil men-sais (Leandro Valiati e colaboradores, PIB da economia da cultura e das indústrias criativas, Revista Observatório Itaú Cultural, n.º 34, 2023).

O insumo básico no trabalho cultural é a criatividade humana, que é ilimitada. Os bens eserviços produzidos são intangíveis, mas impactam fortemente na ampliação de conheci-mentos, nível de satisfação e qualidade de vida das pessoas. Ao mesmo tempo, geramimpostos e ativam outras áreas, como é o caso do turismo. Não há dúvida. A cultura é umapoderosa força motriz do desenvolvimento econômico e da criação de oportunidades detrabalho, emprego e renda.

Como ocorre em outros setores, as atividades culturais vêm se benefi ciando das modernastecnologias do mundo digital e utilizando as melhores práticas de administração. É exata-mente por isso que se faz necessário o apoio do governo para a qualifi cação e requalifi caçãodos que trabalham nesse campo, desde o cenógrafo e fi gurinista até os criadores de soft-wares e jogos eletrônicos, assim como os incentivos para a criação e lançamento de novosprojetos culturais, sem esquecer a educação das crianças e adolescentes. É o que caberá ànova secretaria em São Paulo. •
Setor gera mais de 3% do PIB do País, uma contribuição expressiva, à frente da indústriaautomotiva

 

 

A ‘discriminação’ da mulher

por Jose Pastore

Estadão 29/04/2021

 

OPLC 130/2011 recentemente aprovado pelo Senado federal estabelece que os empregadores serão obrigados a pagar uma multa de cinco vezes o valor da diferença entre o salário do homem e o da mulher na mesma função se assim for determinado pela Justiça do Trabalho. Por causa de mudanças introduzidas pelos senadores, o projeto voltou para a Câmara dos Deputados (casa de origem) para uma nova avaliação.

Os senadores partiram do fato que as mulheres são discriminadas porque ganham 23% menos do que os homens. Essa média é real, mas não separa os salários do trabalho formal do informal. Mais do que os homens, as mulheres são mais frequentes no segmento informal que, como regra, paga salários mais baixos (diaristas, faxineiras, empregadas domésticas, cuidadoras etc.). Além disso, são muitas as mulheres que trabalham menos horas por semana.

Essas características puxam os seus salários para baixo. Quando se analisa apenas o mercado formal, a diferença de salários entre mulheres e homens cai para 17%. E, quando se leva em conta a remuneração do trabalho-hora, a diferença cai ainda mais – para 10%.

Diferenças de remuneração decorrem de inúmeros fatores: experiência na profissão e na função, senioridade, especialização, desempenho pessoal (produtividade), assiduidade, liderança, curiosidade, criatividade, satisfação pelo que faz, domínio de tecnologias digitais e outros.

Nos Estados Unidos, a Payscale, por exemplo, descreve com incríveis detalhes as diferenças apontadas, demonstrando ter um profundo conhecimento da semântica das empresas para definir as atividades que entram nas funções dos seus profissionais. Por exemplo, a remuneração das médicas americanas é 29% menor do que a dos médicos. Mas, depois de controlar pelos fatores indicados, ela cai para 4,6%. Na advocacia, as mulheres ganham 14,8% menos do que os homens. Mas, submetida aos referidos controles, a diferença cai para 4,1%.

Será extremamente difícil para os magistrados brasileiros separar esses efeitos dos devidos a uma eventual discriminação. Ao longo de cinco anos pode ter havido uma grande variação nas atividades exercidas pelas reclamantes. Como detectar discriminação nas diferentes funções que exerceram?

“Função” também é um atributo cheio de nuances. Por exemplo, os médicos que trabalham em um centro cirúrgico costumam ser registrados como cirurgiões. Sua função é a de operar. Ocorre que, em determinado ato, um atua como líder, acumulando responsabilidades que os outros não têm. Como atribuir à discriminação as eventuais diferenças de remuneração nesse caso? E quando os médicos trocam de posições ao longo do tempo?

O projeto aprovado cria situações para as quais as provas judiciais são impraticáveis para os dois lados, levando os juízes a tomar decisões subjetivas. Ademais, a sistemática proposta pelos senadores cria um passivo trabalhista monumental em decorrência de multas indefensáveis, de efeito retroativo e fora do planejamento das empresas. Realmente, no Brasil, nem o passado é previsível.

Isso prejudicará empregados e empregadores que praticam políticas de retenção de recursos humanos com baixa rotatividade. Prejudicará em especial as pequenas e microempresas, que não possuem planos de cargos e salários detalhados com claras definições de funções.

Trata-se de um convite para judicializar ainda mais as relações de trabalho. A estimulação do conflito trará prejuízo para o bom ambiente de negócios e pode levar as empresas a evitar a contratação de mulheres. O projeto precisa de uma boa revisão.

 

Prof. Jose Pastore

Professor da FEA-USP e presidente do conselho de emprego e relações do trabalho da Fecomercio-SP. É membro da Academia Paulista de Letras